Lixo ou deixar de ser tratado como tal

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A foto postada pelo Diego Callegario me obrigou a cuspir um pouco pelos dedos.

Quando eu tinha 6, 7, 8 anos, descia com meus vizinhos para jogar bola nos fundos do edifício. Após várias jogadas fantásticas, defesas improváveis e gols de placa, sentávamos, suados e imundos na frente do prédio.

Quando o sol ia embora, o barulho do caminhão do lixo invadia nossa quadra. Atrás dele, três jovens corriam com sacos de lixo nas mãos que jogavam para dentro. Assim como nós, usavam meias esticadas. Nós, para imitar nossos ídolos, eles, provavelmente, uma tentativa de proteção.

Rodrigo ou Rafael, não recordo bem qual dos gêmeos do apartamento ao lado, dizia que queria ser lixeiro quando crescesse. Ele gostava da ideia de correr atrás do caminhão e se dependurar depois que ele arrancasse. – Deve ser divertido!

Alguns riam, outros pensavam se o gêmeo estava falando sério.

Os Garis integram a comunidade dos trabalhadores invisíveis.

Qual o nome do gari? Idade, cor dos olhos?

O retrato falado do gari é a imagem que se associa a um nome no facebook quando a pessoa ainda não colocou a sua foto.

Sem rostos, sem histórias, indignos de reconhecimento.

Quando o menino não estuda, o pai reprime perguntando se ele quer ser lixeiro quando crescer. É, para ser gari, não precisa estudar, “basta” não se importar em coletar e guardar o descarte alheio.

Descarte alheio, forma educada e asséptica de tratar o sujo e fedorento lixo que nos incomoda.

Invisibilizar, forma conveniente e usual de não sentir um pouco de vergonha.

E um dia a turma do macacão laranja resolveu se pirulitar e assumir de vez o que já eram aos olhos da maioria. Invisíveis não recolhem lixo.

E fez-se mágica na terra de Cabral: “quem não é visto, foi lembrado!”

Para se ser gari não é preciso estudar, é uma função essencial e paradoxal.

Essencial para que se tenha uma vida digna, embora recolher o lixo alheio não seja nada disso.

Quer saber, esse pessoal deveria receber salários inversamente proporcionais às condições de trabalho. Diretamente proporcional à importância.

Garis deveriam receber um salário altíssimo. Não é o grau de instrução que torna o trabalho mais ou menos importante, mas o seu reflexo na vida das pessoas e a o que nos submetemos para isso. Esse é um critério que me faz sentido.

Que se aumente o salário e que os Rafaéis ou Rodrigos possam optar correr atrás dos caminhões, pela importância, pelo prazer, e por uma bela remuneração.

(Gostaria de pedir desculpas ao fotógrafo, pois não tenho o crédito da foto).