O engessamento da legislação eleitoral como instrumento de empobrecimento do debate político

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Não é novidade que o sistema político vive uma crise de representatividade. Ela não se restringe ao âmbito brasileiro, mas, respeitadas as peculiaridades, é verificável em muitos países do mundo ocidental. Diante desse quadro, a descrença em relação à democracia e o crescimento do discurso simpático ao totalitarismo se constituem em ameaças às liberdades e garantias constitucionais – que em nosso País, sequer se deram de uma forma efetiva.

O papel do jurista vai muito além da análise fática e eventual subsunção desta ou daquela norma ao caso concreto. Embora o fato seja a matéria-prima da ciência do direito, isso não significa dizer que a sua análise se limite à particularidade. Cumpre aos juristas o enfrentamento, a identificação e a proposição de temas em que se identifique o afastamento das normas em relação à realidade e aos fins que o sistema jurídico pretende concretizar.

Este brevíssimo ensaio tem como objetivo abrir os olhos em relação à ruptura da possibilidade da consolidação da democracia e da própria ideia de representatividade patrocinada pela legislação eleitoral, em especial, pelas limitações temporais do período de propaganda eleitoral.

O art. 36 da Lei 9.504/97, que regula a propaganda eleitoral, estabelece como ilegal todo ato de divulgação prévia à convenção do partido que define os candidatos aos cargos eletivos. Assim, o “debate eleitoral” propriamente dito se inicia a menos de 90 dias do pleito eleitoral[1]. É a partir daí que se torna “possível” conhecer as ideias, os projetos e as concepções de vida dos candidatos. Em inserções de alguns segundos, a população passa a ter conhecimento de quem são os candidatos ao parlamento. Num emaranhado de candidatos que leem o próprio nome, se apresentam como se locutores de turfe ou vestem fantasias, o eleitor faz a sua “opção”, pela imagem, pela voz, pela graça ou pela quantidade de gols que o candidato marcou pelo seu time do coração. O debate político não existe.

Os candidatos são eleitos sem que se saiba qual o posicionamento deste ou daquele em relação a temas importantes, quais suas propostas ou por que ele se candidatou. A legislação inviabiliza um maior esclarecimento dos cidadãos e comunidades; não é possível se apresentar “desde sempre” como candidato a um cargo eletivo e, desde já, sedimentar o discurso político e se colocar à possibilidade do enfrentamento. Nosso modelo político-eleitoral é epidérmico, focado na embalagem.

O fim da limitação ou, no mínimo, uma dilação de tempo bem maior, antes do pleito, seria um passo inicial à formação de uma classe política que, de fato, fosse representante do eleitor e de uma população mais politizada, conhecedora do discurso e das práticas políticas antes da outorga da procuração em branco que é o voto.

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[1] Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição.