Afogado ao fogo ou um pouco de física penal

morador-de-rua-queimadoFala-se que chegou a 200 o número de moradores de rua mortos no país Brasil, em 2012. Edvan, no Guará, ao lado de Brasília, sentiu seu corpo transformado em brasa e correu. Em vão. Morreu afogado em chamas, a fogo. Desde o quase desaparecimento da árvore que nos deu nome que o nome de nossa pátria não é tão… adjetivo.

Tiros, fogo e pauladas. Variadas formas de imposição de uma violência sem sentido. O caso do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, há 15 anos chocou o Brasil. Várias foram as reportagens e filmagens a entorpecer o público que clamava pela punição dos culpados.

Puniu-se alguns dos culpados, mesmo que de forma relativamente leve frente ao que se vê quando as vítimas não são índios ou mendigos e os acusados não são filhos de juízes; e o Brasil perdeu a chance de tratar do problema.

Para mim, esse o principal efeito da sanção penal – a sua imposição ou o clamor por ela entorpece, inebria as pessoas e faz com que, chapados, não percebam o problema, o fato como uma forma de comunicação. Sim, a conduta criminosa é uma comunicação polissêmica.

Dela advém vários significados e informações que vão muito além da percepção imediata como um fato criminoso. Mas qual a razão de não se ouvir a voz do crime?

A sanção penal é pesada. O funcionamento e a imposição dos efeitos do sistema penal são densos. Lançando mão da física, seria adequado afirmar que ela possui uma enorme quantidade de massa e, como tal, exerce sua força gravitacional em relação às atenções da sociedade. No momento em que ela e o funcionamento do sistema penal atraem toda a atenção da mídia e da sociedade, as outras vozes que emergem do crime são sufocadas pelo peso criminal.

Como decorrência, deixamos para um dia a não chegar a compreensão do verbo que se esconde por trás do ato violento, reprimindo-o, comprimindo-o, mas “descompreendendo-o”.

Enquanto isso, cerca de 1400 sujeitos de direito de papel – não os sujeitos – perambulam e dormem sob a fumaça e estrelas em Porto Alegre. Marginalizados de um modelo de sociedade baseado nas relações de consumo em detrimento das relações humanas, cujo verbo mais parecido com compreender talvez seja comprar.

Creio que passe por aí. O morador de rua, por não consumir, não é visto. Muito Menos como sujeito dos direitos do papel de presente. A ele, nem o higiênico. Ou contra ele o higiênico! Quem não consome não vale, não conta. E se não conta, é zero. Vale zero. É zerado pela exclusão dos “nossos” valores. É zero à esquerda, antes e depois da vírgula. Toca fogo nele então!